quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A saia da portuguesa, as chuteiras dos portugueses, as garrafas de vinho e o Twingo

A proposta da direcção de informação (ano de 2002) incluía: viagem de cinco dias a Bordéus; entrevistas com Pauleta, Marco Caneira e Bruno Basto; edição de peças individuais; contactos telefónicos iniciais com cada um dos jogadores, estando o Pauleta já apalavrado; resposta imediata ao convite da direcção de informação; partida daí a dois dias.

Quarenta e oito horas mais tarde, Bordéus demorou duas horas a chegar até nós desde que entrámos no avião no Sá Carneiro. Tínhamos à chegada uma chave Renault, um carro Twingo, roxo, e esverdeado por dentro, e um mapa da cidade. As malas de viagem de dois passageiros para uma semana útil de estadia não cabiam na mala do carro, só coube lá uma, a outra ocupou o banco de trás com o cilindro do tripé da câmara de filmar.
O hotel demorou duas a chegar até nós desde que entrámos no Twingo e abandonámos o parque de estacionamento, o aeroporto, a banlieue (os arredores), e apontámos o anão com faróis de camião à cidade. Um de nós os dois mudou de ideias pelo caminho e em vez do hotel, fomos procurar primeiro a zona das maisons (casas) dos jogadores portugueses do Girondins (Girondinos, vem de Gironde, um estuário), nome próprio do clube de futebol de Bordéus. Um de nós dois voltou a mudar de ideias e em vez das casas fomos procurar o centro de treinos para facilitar, e encurtar, a viagem da manhã seguinte. Os franceses estariam à espera de dois portugueses de uma televisão portuguesa por causa dos três compatriotas jogadores de futebol.
O Twingo estacionou e ficou a olhar para o palácio. O centro de treinos do Bordéus fica na propriedade relvada do Chateau (castelo) du (do) Haillan (Haillan). Mon dieu! ( meu deus!), eles treinam num castelo construído no local de uma importante batalha da Guerra dos Cem Anos. Quem foi o inteligente (intéligent) que teve a ideia? Na altura foi um simples funcionário do clube, Aimé Jacquet, treinador de futebol que viria a conquistar o primeiro mundial de futebol para a centenária entidade dos três éfes, FFF, Fédération Française de Football (não vale a pena traduzir).
No outro dia acordámos cedo, e nem foi preciso o cantar do galo (coq) para sair da cama. Num primeiro posto de controlo fomos autorizados a seguir em frente e estacionar num lugar indicado pelo vigilante. E quem é que nos veio quase abrir a porta do carro? Marius Trésor! Um senhor! Francês, nascido em Guadalupe, negro negro, praticamente igual ao Marius Trésor da minha caderneta de cromos da seleccção francesa dos anos oitenta, só com a diferença de estar com óculos na cara e de trazer vestida uma camisola azul um pouco mais escura do que a camisola dos irredutíveis gauleses (gaulois). Bonjour! Bounjour! Foi uma festa, o Trésor que eu cresci a ver fechar todos os caminhos para a baliza francesa, abriu todas as portas do centro de treinos, veio tomar café connosco, marcou-nos uma entrevista com o presidente, disse que sim a todas as entrevistas com os portugueses, com a condição de serem feitas nos dias seguintes porque o treinador não queria dar aos jogadores portugueses condições que não tinha dado aos jogadores de outras nacionalidades nas reportagens das televisões dos diversos países.  (acho que nunca agradeci à SIC como deve ser esta manhã com o Marius Trésor).
O treino daquele dia foi gravado na íntegra por ter sido o único autorizado para a recolha de imagens. Seria a nossa base de trabalho para a série de reportagens. Foi aqui que ficámos a conhecer pessoalmente o Jean Claude Darcheville, avançado número 22, um amigo da máquina de filmar.
Durante duas horas, o Zé (nosso repórter de imagem), não tirou o dedo do gatilho, contando alguns tiros ao lado na gravação de um ou outro  "vivo" (jornalista a falar com microfone na mão e olhar para a câmara). Treino, Trésor, entrevista ao presidente, imagens do Chateau (castelo), conversas informais com o Pauleta, o Bruno e o Caneira, acerto das horas das entrevistas nos dias seguintes, e já passava das quatro da tarde e nós sem almoço. Com isto, com aquilo, com o regresso e com o trânsito, já passava das seis da tarde quando entrámos pela porta do hotel. Marcámos a saída para jantar às sete e meia.
O Zé queria um restaurante português, eu queria cigarros franceses,  ele comeu bacalhau, eu fumei Gaulloises, e a ...  (como é que ela se chama Zé?), ela a dona do restaurante, ela trouxe a conta e ao trazer voltou a falar em português Linda de Suza e nessas altura eram já sem pudor as cabeças de homens franceses apontadas à pele de tigre (tigre) da minissaia da portuguesa de cinquenta anos com cabelo de leão.
E outra vez o Zé, com o defeito profissional chamado zoom, focou os olhos num homem de um metro e cinquenta centímetros em pé, ao balcão, a beber cerveja. Apostou que era português. Apostei com ele e acrescentei a informação das botas de tacão alto (cada português com a sua chuteira). Era português, de Vila do Conde como o Zé, mas da Poça da Barca, ficaram amigos, o Zé adoptou-o no resto dos jantares em Bordéus e antes de vir embora baptizou-o de meio tacão.
Havia uma última missão para a manhã do dia em que viemos embora: recolher a encomenda de garrafas de vinho Bordeaux (Bordéus) num supermercado, seis para um, doze para o outro. O trabalho com o Pauleta, o Bruno Basto e o Marco Caneira está no arquivo da SIC. Não representou a totalidade das reportagens. Houve um dia em que fugimos da cidade para fazer a notícia que vai aparecer na próxima história.
A caminho do aeroporto, viajámos com a dúvida dos últimos cinco dias: porque é que eles não jogam com camisolas de cor bordeaux (bordeaux) em vez de jogarem com estas roxas, da cor do Twingo? Não perguntámos a ninguém. Os mistérios garantem a eternidade dos episódios.

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